Computação, Fundamento & Arte

 

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De passeio com os seus discípulos,

o Buddha sinalou em direção à terra e disse:

“Este ponto seria um bom lugar para erigir um santuário”.

Indra tomou uma brizna de erva, cravou-a na terra e disse:

“O santuário foi erigido”. (História Ch’an)

 

 A Informática abriu-nos portas na interação com o real. É talvez esse o resultado pragmático da concepção teórica do Computador: a interação, a formação interativa, a Interface. É certo que a interação é o veículo de desenvolvimento da nossa civilização (atual), mas é a sua formação como campo (eidético) de sentidos -onde “algo se torna significativo”- o que demos em chamar Computador. Se matinasse nisso e tivesse que denominar o isto do computador (algo assim como a ουσία aristotélica) diria: (o) computador une campos de realidade segundo um convênio evolutivo de integração. Então, sendo assim, veria que (desde uma inteligência ordenadora e medial) o Computador é a Manifestação Ativa do ser humano como Ente em evolução, cognoscitiva e pragmaticamente. O Computador, portanto, é o reflexo realizador do ser.

 Quando eu era criança pensava que o computador era um isto que se transcendia a si, ou seja, “uma coisa que se auto-transcendia”: pré_via-a como algo imaterial, inorgânico, não-físico. Curiosamente, contra todo o pensável: o Computador era o paradigma do não-computante. Fisicamente não posso seguir afirmando isso mas eideticamente posso ampliá-lo: o Computador é a transcendência da coisedade de todo Ato cognitivo e cognoscitivo que um ser humano gera interacionalmente fronte a  um campo de realidade e experiência determinado. A peculiaridade desse Ato não coisificador é o que chamamos a “Sintetização”. Toda Síntese é um Fundamento operativo de um novo nível de desenvolvimento computacional, é dizer, o Computador gera Sínteses que são (interativamente) Fundamentos Operativos de Criação[1]. De outro modo diria: o Computador leva-nos ao Território do originário (ereignis) como um Ato imersivo e interativo.

 O interessante desse processo é que o próprio Computador se estabelece como um isto (não matérico mas sim físico) onde é possível um Encontro Significativo. Esse Encontro é uma modalização construtiva de um “Habitar”. Portanto “Computar e Habitar” vão da mão. Se não formos cegos veremos que ambas realidades computam/dão sentido a uma terceira: a questão do articular-se, do formar-se. De modo que se pergunta: Não podemos aproximar-nos à ideia antiga de λόγος? Como é que poderemos entender (em a sua multi_aparição) o λόγος? Não poderíamos dizer que o λόγος é uma Computação aproximadora de Habitar?. Recordo que o Aforismo de Heráclito número 111 (o último) refere-nos à ideia de “Aproximação”. Não quero polemizar, mas o λόγος acho que não podemos pensá-lo como Algo exato, senão como um (auto)-Aproximar-se permanente à Origem: um Fundar-se Intermedial.

 O Habitar não é um mero Ser-Ai (dasein) como ser em um espaço e num tempo. Habitar transcende, como o que Ser, um âmbito concreto de localização (do Ato). Habitar é possível entendê-lo como um “Habitar em” ou inclusive “Habitar com”, de fato Habitar sempre se diz contextualmente, o que nos levaria a pensar (n)a radicalidade do λόγος. Mas o Habitar radical, mais além do contextual, é puro contextualizar-ordenador, aproximador e gerador de sínteses: λόγος – territorialização.

 Habitar é cofundir-se (involucrar-se, encarnar-se sem confusão nem contaminações) em uma possibilidade abstrata e fazê-la presente como fluxo computador e configurador em/de um Território determinado.

 O Habitar mostra-se em (multidões de) Movimentos a fazer, fazendo-se e por fazer. Esse contínuo de Movimentos possíveis (em potencialidade e em virtualidade) são Movimentos geradores de Fundamentos (operativos), aquilo ao que chamamos Fundamentos Operativos de Criação, que estabelecem um Tempo de Encontro determinado em um Território concreto. Por mais que nós o quiséssemos, e ainda indo contra nós mesmos, é impossível, ao contrário do que parece, formar através desse Movimento o Acordo dum mundo ou o territorializar-se duma realidade como algo total. Matinando um pouco mais diríamos que sim é possível fazê-lo (articular um sentido absoluto da experiência), mas impediríamos a sugestão de outra ordem contra-visível, duma ordem não física, ordem meta_física, anseio da nossa explicação do por que e da razão da existência do Algo que move a Computação (e, portanto, da existência). Não é possível fazê-lo, penso, mas o Fundamento acontece como um estabelecer-se duma figura surgencial de interação possível onde um Habitar determinado, onde um λόγος e uma aproximação à Origem do Acontecimento, são gestados como Sínteses. Pelo tanto, o Fundamento para um desenvolvimento em “Algo” é a Síntese de um cúmulo des-organizado de presenças a-formais (não presenciáveis como realidade de fato: “conceito”, por exemplo, ou “coisa”) que são unificadas numa conciliação figurativa comum: uma (sorte de) meta_Figura surgencial (uma sorte de Presença que forma e gesta vida-conceitual) que emerge detrás da nossa intenção por conhecer o que é o mundo. Mais quando usamos o paradigma pós-objetual da Computação, onde a objetualidade não é física senão meta_física. Diria sinteticamente, como paragão do nosso criar conceitual: O computar dá-nos a articulação duma cognição radicalmente meta_física.

 Não há (um) Universo desde o que projetarmo-nos à totalidade das diferentes modalidades de aparição desse (mesmo) Universo. Pensemos um pouco na física contemporânea, não é complexo. Mais que falar dum Universo deveríamos falar dum Multiverso, duma concatenação sintética de realidades de Fundamento (operativo e interativo) desde a que gerar múltiplas aproximações criativas ao ser. Cada uma dessas realizações do ser é um mundo determinado e específico. A computação acontece assim no nível primário como um acontecer abarcante: um aparecer-concatenante que dá múltiplos sentidos de si. Interrogo: Não é essa a idéia da multivocidade que realmente estamos buscando? Não é isso o Universo em si, mais lá de todas as formações teóricas que nós desenvolvamos a um mundo?

 Por algo que reflete o ser humano, cada coisa que ele faz acha reflexo imediatamente no acontecimento do real a nível macroformativo. Por que é? É notável, a este respeito e seguindo com o fio argumentativo, que a Multimídia rastrea o seu proceder na articulação de símiles de Exploração do real a um nível totalmente Imersivo, com o que poderíamos concluir que: a Imersão é a condição quase inviolentável da Interação Multimidial. O Ser aguarda a sua aparição-concantenante (que é dizer: realizadora) no real como uma totalidade à que se dá de modo insoslaiável desde o proceder da Habitação: do ser λόγος. Pelo que um pergunta: Será o λόγος o rastreo de algo progressivo de outro âmbito ou nível de realidade não meramente física, não meramente formativo, no senso implicativo (causa-efeito)? Que significaria (ai) que uma articulação cognitiva multimidial (vanguarda do processo sintético da Computação: paradigma indireto da Interatividade) busque como finalidade ou τέλος o seu auto_acontecimento medial como uma totalidade entrelaçada que se imerge em um Território no que “articula Algo que torna significativo”? É fisicamente visível que o processo conjunto de todas as percepções intelectivas gestam um corpo vivo de sensibilidades e porém de interatividades. O Fundamento, o Habitar e o Λόγος não podem ser se não existe a mais alta e refinada das Interfaces, ou a mais alta e refinada das formas-de-vida interativas: a Corporeidade Articulativa (do Ser). Isso leva-me a pensar na  Encarnação como a emergência direta e apodíctica do que chamei o paradigma pós-objetual do ser na sua consolidação virtual, derivado, ao mesmo tempo, da nossa concepção do real através da Computação e da Interatividade.

A realização de todos os aspetos interativos do ser como corpo (como Encarnação) sempre devém um organismo cognoscitivo e conhecedor: uma forma-de-vida articulativa que dá a ver um jogo, uma forma de existência, ou um τέλος dado como έτος. Uma Ética. Mas, qual é o sentido, dum έτος, duma Ética: não é (o) configurar-se ativo de uma eidética procedimental no mundo? Não é isso uma formação de sentido corporizador? Não é formativo? Não formamos, mal que bem desde o in-formativo? Portanto, Não há um fato aunador e sintético que indiretamente artifatua a nossa Cognição a um nível (sempre) novo de realidade e compreensão desta? Eu acho que sim, e creio -firmemente- que esse processo aunador sintético de Presenças (em unificação, tendentes a uma unidade) sintéticas é uma Arte. E Arte aqui há que entendê-la como um processo dador de unificações refinadas (e prudenciais, no sentido ético) com relação a um esse Multiverso de Sentidos, Interações e Fundamento(s). A Interação, nesse nível, é uma Expansão do Ser em um nível outro do que ser (aí), tal como dissemos, mas seria esse, eu acho, um nível mestre de resolução do que o ser é quando é (nesse nível de ser). Andando assim, eu vejo, que andamos achegando-nos a uma finalização do paradigma objetual que finamente levamos prendido da costa, e este vem, percebo, da mão da realidade que porta virtualmente a unificação entre a Ciência, a Filosofia, a Tecnologia e a Arte como Processo de de-velamento do real. Mas, quando o intuo, e o penso, acho um problema: Que é Arte? Como a entendemos à luz do fator intermedial que o Pensamento nos dá a nível de Integração tecnológica no certo / acertado do fenômeno interativo?

Algo se dá no nível intermedial do (nosso) ser, é certo, mas eu creio que esse nível não é senão a com-formação duma originariedade formativa inorgânica, não visível mas que se acha presente no todo, como uma sorte de meta_Nível de originação do processo originário do ser enquanto que Algo dado à vida do ser em uma região à que chamamos Território: a Arte, de certo, forma Algo, mas essa formação não é física senão virtual. Por quê? Porque a formação não acontece senão como o prévio feito de ser, como o tender-para, o conter-se a: o devir-“Algo formativo”.

Então, se toda formação do ser é dada em espaços médios ou virtuais (como o que ser, o que vai-ser em por si “Algo significativo”) é de certo claro o que quero dizer quando expresso: a Encarnação é a síntese dum interagir que se gesta Interface permanente de ordenação aproximadora dum mundo; o ajustamento ao eidético do Multiverso, numa constante aproximação iridescente ao justo, a δικαιοσινέ. O justo, a ajustação dos valores intermédios do ser: os planos interconectivos do real coma autofiguração do desconhecido. A Arte, aí, não encarna em si a configuração do não conhecido? Não é a arte a articulatividade construtiva do não visível? Não há nessa tentativa (na do artista) uma ânsia de de-velar o Escondido? Não é o Escondido o que alguém por alguma razão olvidou = o inesquecível mas oculto aos nossos olhos e sentidos? Não é o de-velar isso o que chamamos uma άλέτεια? Então, não está sendo misterioso o feito de que a Arte, conciliadora do virtual, seja ao mesmo tempo a razão da evolução consciente do fato tecnológico do ser quando este é ético? Porém, não é a Arte a de-velação do oculto para uma nova Encarnação na que o sujeito do mundo se faz multiversal e midiático a níveis de si no que só o Gesto (de gestualidade) se faz parte consciente do ser? É certo, a Tecnologia abriu-nos portas, mas é a Arte a única ferramenta possível para fazer a síntese. Sendo assim só é possível pensar na Arte como a intermediação do real a um nível desconhecido por nós mas específico, sensível, encarnativo e porém Algo dado a nós como uma Territorialização onde é possível uma nova Vida.

 

 

Santiago de Compostela, 17 de Outubro do 2008

 

 

 Diagramática do Proceso:


Mostro em esta diagramática a configuração duma cognição derivada da articulação dum pensamento que gera desde a figura evolutiva do pensar-(co)criativo uma praxe que é dada ao mundo como um movimento incessante entre o ir e o vir da configuração eidética da nossa interação, a qual é vista no mundo como um projeto sempre em despregue. A nossa conceição do real da-se a través de esta formação de Teoria meditada coma uma sorte de tendência ao ilimitado do projeto configurativo duma unidade de ação que é ao mesmo tempo uma unidade de produção de pensamento: uma sorte de eidética transcendental desde a computação, paradigma pós-objetual do real ou  metafísica da ação é dada desde este projeto de interação configurativo e midiático: a nova Encarnação na erigida presença do novo νοΰς.

 

 

 

 


[1]    Isto remete à ideia de que tudo tem um Fundamento (operativo), mais que à ideia consabida no Ocidente de que tudo tem uma Origem formativa última, teleológica, à que tudo tende. A ideia à que aludo refere ao conceito de Fundamento como integração do real entendendo-o como estados de computabilidade nos que Algo acontece (significativo): a ideia remete-me ao conceito de Algoritmo, mas numa síntese média, como uma sorte de meta_Algoritmo. Não posso seguir explicando mais fundamente, mas Não é o Algoritmo um estado de interação em processo?

 

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